Trilho

Trilho
Por Social Russian

O chacoalhar, o suor
E o cheiro de borracha queimada.

O barulho alto de todos os lados,
Além dos homens de marketing

Que vendem de tudo

Exceto carga roubada.

Espreme-se o mestre da leitura bípede,
Na troca de páginas apertada,
No sono escorado no ferro,
Fervendo, pelo calor extremo,
Até o ponto da Escola Pública.

Estão entre os seus de manhã

(Tão cedo!):

Majoritariamente trabalhadores.

Em que será que trabalham?

Um advogado, estou vendo,
Pelo terno mal talhado,

Cáqui, quase abóbora,
Úmido e surrado,
Mas austero, como o brasão na lapela
E graduado pelo anel de pedra rubra.

Uma empregada doméstica,
Um camera man
(Que barato!),

Um soprador de vidro,
Um químico,
Uma funcionária pública,

Um eletricista,
Grande amigo do operário,
Que vai comentando,
Com grave autoridade,
A página esportiva.

Um desenhista, um escritor?

Vários mágicos e acrobatas
De viver com o mínimo.

O medo é a volta tardia,

Se o carro falhar
Seu maquinário puido,
Suas luzes...

Se houver jogo,
Se houver chuva,
Se houver briga -

A ocasião propícia
Para o bandido,
Tão comum
Quanto a falha no horário,

Apesar da fatia roubada
Do salário,
No mês inteiro,
De passagem...

Ela,
Essa beldade,
Fala às crianças

Das células, dos órgãos,
Dos bichos que deram nos homens,

Das plantas e flores.

Ela fala da vida,
A bela professora,
E, mais uma vez, está atrasada,

Porque, hoje, novamente,
O "direto" pifou,

Fechou a estação
E ninguém avisou.

Ele,
O “avoado”,
Já explica o mar...

Longe


Deste condensado estojo humano,
 

Claustrofóbico,
Sufocante,
 

Ele respira um outro ar...

Seu magistério são os ventos,
As chuvas,
Os montes,

Como se formam os continentes,
Sobre as placas tectônicas,
Tsunamis e mapas...

Mas não se acha,
Correndo ao parador,
No qual ela, também, se baldeou,

Ante a confusa ciranda dos vagões,
Geridos por sádicos,
Que observam

A saga cotidiana dos pobres

E pouco ajudam,

Rindo-se por trás das câmeras.

Não deviam pagar por isso,
Os que possuem tão pouco,
Mesmo sendo o muque
Dessa mesma máquina
Que insiste em mover-se injustamente.

Ao aparente fim da jornada,
Na ensandecida gaiola roletada,
Imunda e energizada
Pelo estouro da manada,
Ela e ele, então, se esbarraram:

Seus papéis voaram,
Entrelaçados,

Fundiram-se,

Rendendo muitas explicações aos que passavam
E, endurecidos,
Riam daquela graça,

Já esquecidos dos terrores da gaiola,
Ordinários por exatos vinte e um anos,

Promovidos naquela mesma Central,
Há outros vinte e tantos,

Por corruptos diversos,
Também sádicos, mas de farda.

Alheio, contudo,
Ao constrangimento costumeiro,

Inevitável como a corrida busca do sustento,

O casal não deixou
De trocar olhares...

Talvez dando início
Àquele raro sentimento,

Assaz pungente quanto o furo de uma bala;
Que é mais rico do que mil barras de ouro
E bem mais forte que qualquer barra de aço.

Rompam de vez essa ignóbil barreira!

O mundo é todo seu,
Meus professores!

É todo seu o trilho!

Governem bem avante
O seu brilhante destino,

Que a felicidade garante
De tantos outros!

Porque nem o trem,
Nem os transeuntes,
Nem os donos das coisas,
Muito menos o Estado,

Exceto as crianças e os livros,
Exceto o abraço e as flores,
Os frutos e pássaros,

O mar, a terra,
A liberdade.
O riso, o pão,
O companheirismo.

E, finalmente, O BEIJO,

Tão reconfortante
E apropriado,
Que já se dizia impossível,
De tão esperado,

Nem isso tudo
Os merece tanto,
Quanto a junção ao acaso
De Vossas nobres almas...

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