terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

O melhor plano de saúde é viver

O melhor plano de saúde é viver
Por Dr. Macaco Russo

Para nascer há um preço;
Para viver mais ainda...

São cento e oitenta dias de carência,
Ou, o que se paga de imposto,
Caso se queira a saúde pública,
Como diria algum filósofo partidário
Do dito infalível Estado Moderno.

Existe uma alíquota usurária
Para doenças preexistentes,
Como se os nus devessem pagar mais caro
Pelas roupas que precisam.

É um raciocínio perfeito:

O lucro vale mais que a vida!

E sua margem é decuplicada,
Com o progesso da idade,
Para compensar a elevação arriscada
Da "taxa de sinistralidade",
Outorgada pela ANVISA,
Já que os velhos são sinistros...

Deveras criativos esses empresários.

Inventam novas palavras...

Que respaldem o serviço
Do tipo "pague, mas não use",

Em "contratos de adesão"
Sobre os quais não se discute!

E nas empresas públicas de outrora
Criaram-se os fundos de previdência:
Bilhões de reais pouco utilizados,
Reservas que, caso seja necessário,
Garantem a sobrevivência dos funcionários.

Com olho gordo nisto e salivando,
Estão alguns dos velhos políticos,
Secos para tirar uma casca
E dar o resto para os conglomerados
Do lucrativo negócio sanitário!

Quem não tem padrinho que fique na fila,
Agonizando, no aguardo,
Do heróico esforço do jovem Doutor,
Recém-formado,
Que tanto estudou para ser concursado,
Ganhar uma miséria e tentar salvar,
Dos desamparados,
Um punhado...

Com as parcas ferramentas dispostas,
Como o durex no lugar do esparadrapo
E nas vezes da gaze um pano,
O raio-x relampejando,
A goteira no leito,
E a maca quebrada,
Que serve de banco de espera.

Sim! Nossos residentes não precisam
De estágio no "Médicos Sem Fronteiras"!
Já trabalham na infame campanha
Do silencioso genocídio social.

Porque muitos de seus veteranos trocaram
O "Juramento de Hipócrates"
Pela alegria dos hipócritas.

Não esqueçamos o lobby no Congresso,
Para desnutrir, da saúde, o orçamento,
Retribuindo o patrocínio eleitoral,
E fazer traçado o destino
Para quem a carência é ainda mais longa...

Será mais seguro
Abrigar-se o ferido
Sob a asa do abutre?

Quem sabe?!

E de tudo isto equaciono,
Tão tautológico quanto meus algozes:
O melhor plano de saúde
É mesmo viver;

Porque para muitos não há outra escolha...

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Mas, dessa palavra eu faço minha

Acho que ouvindo fica bem claro quem são meus amigos de infância e porque temos tanto a dialogar.
Se ainda não nos revemos ao vivo, fica aqui a minha homenagem: Valeu David!!!! Meus sinceros parabéns!

http://www.youtube.com/watch?v=Kxz-9gkYYVU

Provocação e contradita em hip hop

De vez em quando recebo telefonemas de alguns amigos da tenra infância (que há muito não me procuram), para ouvir provocações. Segue aí a contradita, infinda e contraditória. Temos que resolver isso com cerveja, alguns socos e pontapés e muitos anos de papo, para ver se chegamos a alguma conclusão. Mas, por enquanto, não me fodam a paciência! Huahuahuahuahuhauhau E quem quiser, canta...


Provocação e contradita em hip hop
Por Macaco Russo

O demônio telefona à madrugada
Para berrar mil ofensas à bigorna
Que sou covarde, vagabundo, sodomita,
Por ter largado a arte e me tornado um burocrata.

Fala de sonhos de sucesso e um novo mundo
Em que tudo é mais justo e solidário
A musa arte é mais bela e efetiva
E somos todos novamente bons amigos.

Eu não sei o que o caboclo vê de novo...
Ele não sabe o que eu já vi na vida!
Eu perdi as ilusões na despedida
Do menino gorducho,
Engraçado, troncho e bobo,

Que, tentando se entregar àquele sonho,
Ganhou porrada, ferida e frustração.
Agora, simples e sincero, o que deseja
É viver o burguês sonho de então.

Eu compreendo o caboclo camarada,
Imaginando toda a fascinação.
Vejo crianças em um Brasil conto de fadas,
Em vez da choça rodeada de ladrão.

Mas, o que posso, além do meu próprio sustento?
Estão aí as enredadas conclusões...
Se quer sucesso, vá em frente camarada!
Mas não se faça de Van Gogh ou de Camões!

Me provoca, então toma-lhe a pedrada:
Sua meta é glória, ou é revolução?
Sem Lei ou guerra não vamos nunca mudar nada!
A arte é enfeite, é deleite, diversão...

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Os Trabalhadores - Rogaciano Leite

Repercuto aqui esta poesia de um artista cuja obra conheci há pouquíssimo tempo, mas com o qual estabeleci imediata afinidade de ideias que mais parece de outrora.
Vale ressaltar que os versos abaixo encontram-se registrados em marco na Praça Vermelha de Moscou, em razão de temporada do intelectual naquela terra nos idos de 1968, conforme se divulga na internet.
Me pergunto se o escrito está traduzido e gostaria de ir lá para conferir ao vivo.
Destarte, segue a sensível e acurada crônica. Vivas a Rogaciano Leite!



OS TRABALHADORES (Rogaciano Leite)

Uma língua de fumo, enorme, bandoleante,
Vai lambendo o infinito – espessa e fatigada…
É a fumaça que sai da chaminé bronzeada
E se condensa em nuvens pelo espaço adiante!

Dir-se-ia uma serpente de inflamada fronte
Que assomando ao covil, ameaçadora e turva,
E subindo… e subindo… assim, de curva em curva,
Fosse enrolar a cauda ao dorso do horizonte!

Mas, não! É a chaminé da fábrica do outeiro
- Esse enorme charuto que a amplidão bafora -
Que vai gerando monstros pelo céu afora,
Cobrindo de fumaça aquele bairro inteiro.

Ouve-se da bigorna o eco na oficina,
O soluço da safra e o grito do martelo…
Como tigres travando ameaçador duelo
As máquinas estrugem no porão da usina!

É o antro onde do ferro o rebotalho impuro
Faz-se estrela brilhante à luz de áureo polvilho!
É o ventre do Trabalho onde gera o filho
Que estende a fronte loura aos braços do Futuro!

Um dia, de uma idéia uma semente verte
Resvala fecundante e se agregando ao solo
Levanta-se… floresce… e ei-la a suster no colo
Os frutos que não tinha – enquanto estava inerte!

Foi o germe da Luz,a flor do Pensamento
Multiplicando a ação da força pequenina:
- De um retalho de bronze uma oficina!
- De uma esteira de cal gerou um monumento!

Trabalhar! Que o trabalho é o sacrifício santo.
Estaleiro de amor que as almas purifica!
Onde o pólen fecunda, o pão se multiplica
E em flores se transforma a lágrima do pranto!

Mas não vale o Trabalho andar a passo largo
Quando a estrada é forrada de injustiça e crimes…
Porque em vez de frutos dúlcidos, sublimes,
Gera bagos mortais e de sabor amargo!

Ide ver quanto herói, quanto guindaste humano
Sob a poeira exaustiva e o calor fatigante,
Os músculos de ferro, o porte gigante,
Misturando o suor o seu pão quotidiano.

Sua força é milagre! A redenção bendita!
O seu rígido braço é a enérgica alavanca
O escopro milagroso,a chave que destranca
O Reino do Progresso onde a Grandeza habita!

Sem os pés desse herói a Evolução não anda!
Sem as mães desse bravo uma nação nas cresce!
A indústria não produz! A campo não floresce!
O comércio definha! A exportação debanda!

No entanto,vêde bem! Esses heróis sem nome,
Malditos animais que ainda escraviza o ouro,
Arrastam – que injustiça! – o carro do tesouro,
Atrelados à dor, à enfermidade, e à fome!

Quanto prédio imponente e de valor suntuário
Erguido para o céu, firmado no infinito,
Indiferente à dor, indifrente ao grito
De desgraça que invade a choça do operário!

De dia é no labor! Exposto ao sol e à chuva!
De noite,na infecção de uma choupana escura
Onde breve uma filha há de tornar-se impura
E u’a mulher faminta há de ficar viúva!

Nem mesmo o sono acolhe as pálpebras cansadas!
O leite é a umidez dos fétidos mocambos!
O pão é escasso e duro! As vestes são molambos
E o calçado é paiol das ruas descalçadas!

Ali,a Medicina é estranho um só prodígio!…
Nunca um livro se abrirá em risos de esperança
Para encher de fulgor os olhos da criança,
Apontando-lhe o céu… mostrando-lhe um vestígio!…

Tudo é treva e descrença! O próprio Deus é triste
Ouvindo esse ofegar de corações humanos…
E a Lei – mulher feliz que dorme há tantos anos -
Não acorda pra ver quanta injustiça existe!

Onde está esse amor que os sacerdotes pregam?
Os estão essas leis que o Parlamento imprime?
O Código não pode abrir o seio ao Crime,
Infamando o pudor que os Tribunais segregam!

Vêde bem da fornalha a rubra labareda!…
Olhai das chaminés o fumo que desliza!…
Pois é o sangue… É o suor do pobre que agoniza
Enquanto a lei cochila entre os divãs de seda!

Que é feito desse herói? Ninguém lhe sabe a origem!
O Poder nunca entrou nas palhas do seu teto…
Somente a esposa enferma,o filho analfabeto,
E lá nos cabarés, – a filha… que era virgem!

Existe essa legião de mártires descrentes
Em cada fim de rua,em cada bairro pobre!
É desgraça demais que num país tão nobre
Que teve um Bonifácio e deu um Tiradentes

Será preciso o sangue borbotar na lança?
E o cadáver do povo apodrecer nas ruas?
Tu não vestes, ó Lei, as próprias filhas tuas?
Morre, pois, mãe cruel, debaixo da vingança!

Mas eu vejo que breve há de chegar a hora
Em que a voz do infeliz é livre – na garganta!
Porque sei que esse Deus que nos palácios canta
É o mesmo Deus que pelos bairros chora!

Quanto riso aqui dentro! E lá fora, os brados!
Quantos leitos de seda! E quantos pés descalçados!
Já que os homens não veem esses decretos falsos,
Rasga, Cristo, o teu manto! Abriga os desgraçados!…