quarta-feira, 14 de novembro de 2012

A cidade maravilhosa

A cidade maravilhosa
Por Russo Lúcido

A cidade maravilhosa
É feia.


Cheia de buracos, rachaduras e matinhos,
De casas e pessoas caindo aos pedaços,
Doentes e cansadas
Por falta de cuidados.


Ouso dizer -
Que me xinguem -
Vejo isto há muitos anos:


A cidade maravilhosa
É feia!


Não é favorável a seus viventes.
A propriedade é impagável.


É IMORAL!

Seu aluguel é caríssimo.
O trânsito insuportável.


Basta olhar pelos ônibus,
Que passam aos montes,


Esses horrendos produtos das máfias,
De tarifas usurárias,
Que, alquebrados, entulham
As ruas mal ordenadas.


A cidade maravilhosa
É feia.


Cheia de miséria.

Entupida de barracos.

Faltando-lhe árvores, calçadas
E serviços públicos que funcionem...


Seu mar, tão cantado,
É poluído.


Vá comer um peixe
Em qualquer quiosque
E, se não morrer de salmonela,
Morrerá numa nota!


A hipocrisia e a desgraça
Habitam suas esquinas,
Assim como os bandidos,
Os bebados e os drogados.


A sujeira é infinita.
O fedor indisfarçável.


O que dizer da maldita "pedra portuguesa"?!

Sim!
A cidade maravilhosa
É feia...


O carnaval,
Superestimado,


O futebol,
Mal jogado e vendido,


A loteria esportiva,
Nada confiável,


A afamada "carioca" típica,
Marrenta e mediana,


O "malandro" de voz chiada,
Otário,


Os bicheiros,
Os traficantes,


A cerveja quente
No sol escaldante,


A segurança,
A educação,
A saúde,


Falhas,

A televisão,
Esse espetáculo de imbecilidades,


Uma imprensa de comércio e cinismos

E as demais enganações e pilantragens
São nossas marcas registradas!


A cidade maravilhosa
É feia.


Vejamos o governo...

Não, não vejamos.

Vai dar dor de cabeça...

Basta dizer
Que os impostos,
Repasses, tarifas e demais tributos
São inócuos, pois malversados,
No seu financiar de lavagens de dinheiro,
Em licitações fraudulentas, de cartas marcadas.


Basta dizer isto.

Porque,
Infelizmente,
Isto é tudo.


A cidade maravilhosa
É feia.


Vai sediar uns jogos

E vamos ver os gringos
Ganhando um monte de medalhas,
Enquanto os nossos atletas
Sofrem para manter o ritmo
Na cidade que os esquece.


Assim, do nada,
Por conta disso,
A cidade maravilhosa,
Que tem certa natureza vistosa,
Virou um paraíso!


E cá estão milhares de negociantes
Para sugar a última gota
Da nossa pobre menina desorientada,
Virando ainda mais suas costas
Para seus filhos. 


A cidade maravilhosa,
Coitadinha,


Que já é feia,

Vai ficar horrível.


terça-feira, 6 de novembro de 2012

Ela e a onda

Ela e a onda
Por Russo Terral

Aquele instante
Continua sendo
Todo o meu leitmotiv.


Como se o próprio Deus
Houvesse dobrado,
Com as Suas mãos,
Um lençol de seda

Azul esverdeado,
Em forma perfeita
De cone espiralado,
Para abrigar-nos.


Numa cornucópia eterna
De abastança e amor!


E lá estaremos,
Aconchegados.


Em nossos prórios corpos;
Em nosso próprio cheiro;
Dentro de nosso calor!


É para tal instante
Que destino
Minha existência,
Meu espírito,

Todos os meus pedaços.

Lá estão os meus desejos
E, por sorte, hoje, ao meu lado,
Para sempre e feliz,
Espero...


Ela!

E volto!

Como outrora,
No tempo, no espaço


E na idade!

Por dentro da natureza!
Por dentro da vida!
Por dentro do amor!


Eu vôo!
Eu urro!
Eu explodo!


E ela sorri,
De olhos fechados.


As águas amansam...
O pulso decresce.
Ela quer de novo.


Eu pego fôlego
E tento ser mais.

Ainda mais eu
Do que antes...


Navegante,
Nas abóbadas fartas


De nossos harmônicos nós!

sábado, 3 de novembro de 2012

O Aniversário do Supermercado

O Aniversário do Supermercado
Por Encarregado Russo

A matemática falha,
Assimilada com dificuldade
No aprendizado intermitente -
Afinal interrompido,
Pela dificuldade financeira -,
A fazia passar
Por constrangimentos como aquele.


Em seus olhos via-se esperança.
Mas, a impaciência, que rugia,
Nos olhos da moça do caixa,
Embotava, com vergonha,
A conta cuidadosa,
Feita de artigo em artigo.


Vislumbrava, em soslaios breves,
Os outros carros da fila,
Abarrotados de tanta maravilha,
Que a alegria mensal faria
Das pessoas de boa família e classe média.


Aquela gente, sim, podia!

Com a renda, segura, auferida
Nas repartições estatais, nas secretarias,
Nas empresas comerciais,
Nas faculdades,
Nas mais-valias,


O que ela não conseguia,
Talvez, por ter largado os estudos,
Para pegar no pesado, infecundo,
De um peso pelo qual se culpava,
Das faxinas que brilhavam,
Nas suas mãos calejadas.


E lembrava do filho,
Enquanto passava as compras.


Não queria, para ele,
Somente aquilo:


Um desinfetante de pinho,
Uma garrafa de água sanitária
E um sabão em barra.


Um saco de macarrão,
Do mais barato, parafuso,
Um pacote de feijão,
Uma lata de polpa de tomate,
Duas cebolas, um alface.


Milho?
Bem que eu queria...
E uma sardinha em lata.


Fecharia a conta humilde,
Do dinheiro, contado, curto,
Com a folga de alguns centavos,
Levando a bandejinha de carne:


Um acém de aspecto azulado,
Mal nutrido e mal pesado,
Com hesitação selecionado,
Entre tantas outras coisas
Que ficaram no carrinho.


_ E o resto? -
Indagaria a caixa.


_ Não vai dar, eu acho, minha filha...

Pondo alguma dignidade na dúvida,
Voltava o olhar baixo
Para o encarte especial
Da revista sobre concursos públicos.


Opa!

Esse pode!
Ele tem o ensino médio!  


O pai foi-se embora,
Com o menino ainda pequeno.
E qual camisa daria o emprego
De atendente de telemarketing
Ou motoqueiro?


Um menino tão travesso.
Um menino tão inventivo.
Um menino tão bonito.
E nós dois sozinhos
Naquele barraco.


Sozinhos...

_ E a carne, minha senhora?

De súbito, ousou um sonho.

Naquela revista estava o futuro!

E o acém foi parar no cesto
Dos produtos abandonados
Pelos que deles queriam ser donos,
Até a impiedosa barreira
Do princípio da escassez.


_ Troca pela revista. -
Concluía a senhora,


Deixando a carne que vai ser moída,
Redistribuída,
Ou jogada no lixo,
Para ver a sua preservada.


sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Temporal

Temporal

Chove.

E a viela decadente retoma
Seu cheiro característico,


Eis que a bosta brota do bueiro,
Como se quisesse vingar as árvores,
Que, inadvertidamente, foram ceifadas.


Chove.
E o asfalto novinho racha,
Fazendo verter a água fétida
Que aguardava no subsolo.


Chove.
E os acidentes proliferam,
Nas curvas centrífugas mal projetadas
Que retém o óleo dos carros.


Chove.
O trânsito pára.
O povo reclama.


Chove.
E os barracos desabam,
Construídos nas áreas de risco,
Referendadas pelos políticos,
Em troca do livre sufrágio.


Chove.
E as crianças não vão para a escola,
Com medo da lepitospirose,
Porque os ratos saíram à caça,
Fugindo dos imundos charcos.


Chove.
E a maquiagem urbanística borra,
Imagem que será retocada
Com muita propaganda e falsos benefícios.


Chove.
E, embora pagas na íntegra,
Ainda estão em projeto
As obras da tragédia passada.


Chove.
E as artérias ficam à mostra,
Da corrupção atroz desfaçada,
Sugada da infra-estrutura.


Chove.
E surgem os vendedores
De guarda-chuvas e casacos,
Enquanto os outros fogem,
Porque vendem na rua,
Pois não têm direito a outros espaços.


Chove.

O rico suspira
E vê poesia

Na gota pesada.

O pobre sofre
E asfixia,
No bafo e no mofo,
Dos trens e dos ônibus.


Chove.
A verdade vem à tona.
A cidade mostra seus cascos.

 

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Porto Maravilha

Porto Maravilha

Ao lado do Palácio da Justiça,

Embaixo do viaduto,

Revela-se um mundo injusto,

Que, providencialmente,
Será implodido,

Oculto,
Dissipado,

De depauperados e despossuídos

Da moral,
À qual não foram talhados,

Do pensamento,
Que restou confuso,

Do alimento,
Que lhes foi negado,

Do lar,
Que jamais tiveram,

Da odiosa fuga,

Qual, nas garrafas, arderam,

Ou nos cachimbos,
Nos quais os dedos queimaram.

E tudo isso está lá.
Eles estão dormindo,

Entre as pontas de cigarro,

A urina e a fumaça,
As buzinas e o escarro,

Da Quinze à Mauá
Que já viram cair os cortiços...


Esse espaço,
Ora sujo,

Doravante loteado,

Por um Estado
De mamulengos,

Servirá aos ricos

E às empreiteiras

Para fincarem ali
Um legado pétreo

Aplaudindo,
Do palácio,

A derradeira vitória da injustiça,

Que lhes fará ainda mais abastados.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Mon Amour

Mon Amour

A menina do nome francês
Guarda em si uma casa tão bela,
E aconchegante, e farta, e singela
E tão feliz, pois não é só para ela.

Me parece, ela guarda um país,
No sorriso, sincero, que insiste
E impera, qual imperatriz,
Sobre a dor da mais dura mazela.

A menina do nome francês
É de fato uma índia, de força serena,
Que mais vê do que fala e, sem fala, me diz
Sobre o bem que é tão grande e que nela persiste.

Tenho fé nessa bela menina,
Porque a fé que me falta, nela sobeja.
E se ouso rogar, mesmo exíguo de crença,
Dessa vez é por ela, na qual acredito.

Vem direto do peito sua sabedoria
Vem da terra, do vento e de toda ventura
E vem tão meiga, tão leve, tão doce, tão pura,
Que parece-me vir de altivo outro plano...

Por isso, em canto, é que curvo-me e peço:
Seja o mundo também sempre meigo com ela
E lhe dê o que sonha, precisa, deseja,
Já que poucos no mundo merecem tanto.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Rondó da Vovó

Uma singela homenagem a todas as vovós, que estão sempre rezando de coração por seus netos e netas.

Rondó da Vovó

A gota de azeite escorre, caprichosa,
Do dedinho calejado pela incessante costura
Dos fatos de uma vida interessante;

Dos fatos brancos de bodas,
Véus e rendas,
Idas e vindas;

Dos fatos do cotidiano,

Das meninas e meninos criados;

Dos fatos de madeira
Das almas que faltam
E, repentinas,
Ou anunciadas,
Doem deveras;

Dos fatos de luta e simples alegrias,
Que a fizeram firme,
Sem perder a ternura,
Apesar do arrimo de tantos anos.

Nunca
Alguém viu
O óleo misturar em água!

Mas, assim procede,
Naquela reza de palavras estranhas,
Que não podem ser ditas aos domingos
(De macarronadas com frango,
Em porções fartas!),
Italianas e sussurradas
No compasso dos gestos
Das mãos trêmulas...

Ensinou-me a ler
Nos letreiros das lojas
Das quais os produtos eu cobiçava:
Balas, bolas e chocolates!

Mas jamais me revelou aquelas palavras.

E nem poderia...

Sob pena de perturbação

De todo o equilíbrio
Do plano metafísico.

Pois, na tradição Lácia,
Só podem ser transmitidas
Numa noite de Natal,
Pela matriarca,
Às mulheres da família
Que já tenham parido.

E somente faladas!

Não podem ser escritas
Porque perdem a força,
Nunca mais retomada
Em outras tentativas de ensino.

Ouvi do meu irmão,
Que também as conhecia Pirandello
E em seus contos faziam
Quedar ao túmulo os culpados de Napoli.

Não acredito que chegue a tanto,
Se ainda estão vivos meus desafetos.

Pois assim permaneçam!

Com dias felizes, bem longe, me esqueçam.
Para que possa cuidar dos que amo...

Eu, que fui furtado da bolha,
Nem sei se creio na gota.
Mas, criei outra,
Como a sua regente,
Onde não é qualquer um que entra...

Mesmo que fosse truque,
Contudo, Fascinar-me-ia,

Desde criança,

O ritual complexo
De extrair do corpo
O mau olhado alheio,
Com a gota de azeite que se espalha
Pelo prato virgem e branco.

É um singular mistério,
Vez que, com efeito,
Sinto-me mais leve,
Após o sinal da cruz
Feito em minha testa

Com a ponta dos dedos,
Carinhosos,
Que parecem promover o rearranjo
Da Justiça do Universo.

Eu observo,
Atento,
A mágica...

Indo pelo ralo,
Para as profundezas do mar sagrado,
Onde não existe cristão.

Não mais questiono
E mesmo peço
Para usufruir mais uma vez
Desse religioso bocadinho com ela...

sexta-feira, 9 de março de 2012

A Balada do Artista de Rua

A Balada do Artista de Rua
Por Bandoleiro Russo

Diz o menino, com frio,
Faminto, drogado, na calçada.

Ouve-se da bem sucedida balzaquiana,
Que mostra as fotos do idolatrado filho,
Ou da viagem que fez com as amigas:

Como qualquer ser humano,
Tudo que quero é ser amado...

Divaga, calado,
O homem engravatado,
Que fez de tudo por poder,
Dinheiro, posse,
Petulância e fama.

Deixou para trás a ética,
O prestígio de algum sentimento
Que não seja o de ganhar e ter.

Bem como seu funcionário,
Que se afoga, depois do trabalho,
Na cachaça e no torresmo,
Com a amante bêbada, no boteco,
Fumando um cigarro barato:

Como qualquer ser humano,
Tudo que quero é ser amado?

Berra o artista! O artista!
Em desespero...

Já não mais sabendo
Dar-nos à mostra
O fingido natural,
De tanta procura,

Forjando transcendência,
Com ciúme
E mais ciúme,
Forma e conteúdo...

Hoje ciente,
Eu que estudei,
O que querem os outros
E tanto me dei
Inteiro e achando
Que aquilo bastava...

Hoje eu sei! Hoje eu sei!

Dizer não;
Eu não posso!

Como qualquer ser humano,
Tudo que quero é ser amado!

Também o egoísta e o pusilânime;
Também o corajoso e o altruísta;
O leal e o judas,
Em comum, têm o medo,
De não ver resultado
No produto de seu empenho.

Assim, nasce um ódio,

Dinâmico e tirano,

Entre quem,
Em confronto,
Dá mais do que quer
E quer mais do que dá,
Exigindo,
Rancoroso:

Como qualquer ser humano,
Tudo que quero é ser amado!

O que dizer dos crentes
Que abraçam o vento,
Como se abraço fosse?

Deixe-os!

Se suas palavras são de amizade,
Qualquer que seja seu esteio,

Eu respeito!

De certo a mulher,
Com o olhar e a postura,
É só o que pede,
De ternura, em ternura,
Para quem já deu tanto.

Seu crédito é o parto;
O que dá é a vida!
E, pelo choro da cria,
Ela já sabia!

Como qualquer ser humano,
Tudo que quer é ser amado...

Tendo em vista,
Por décadas,
Tanta evidência,

Não me envergonho,
Nem coro,
Por admitir.

Continuo a pedir! Continuo a pedir!

Aplauda esta ideia e vá por aí,
Fazendo minha propaganda!

Alardeie que fui eu quem disse;

Cantei;
Pintei;
Esculpi...

Mas, não se esqueça de deixar aqui,
No meu chapéu, sua moedinha!

Pois, no fim das contas,
Senhoras e senhores,

Deste belo e honrado público,

Como qualquer ser humano,
Tudo que quero é ser amado...

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

O melhor plano de saúde é viver

O melhor plano de saúde é viver
Por Dr. Macaco Russo

Para nascer há um preço;
Para viver mais ainda...

São cento e oitenta dias de carência,
Ou, o que se paga de imposto,
Caso se queira a saúde pública,
Como diria algum filósofo partidário
Do dito infalível Estado Moderno.

Existe uma alíquota usurária
Para doenças preexistentes,
Como se os nus devessem pagar mais caro
Pelas roupas que precisam.

É um raciocínio perfeito:

O lucro vale mais que a vida!

E sua margem é decuplicada,
Com o progesso da idade,
Para compensar a elevação arriscada
Da "taxa de sinistralidade",
Outorgada pela ANVISA,
Já que os velhos são sinistros...

Deveras criativos esses empresários.

Inventam novas palavras...

Que respaldem o serviço
Do tipo "pague, mas não use",

Em "contratos de adesão"
Sobre os quais não se discute!

E nas empresas públicas de outrora
Criaram-se os fundos de previdência:
Bilhões de reais pouco utilizados,
Reservas que, caso seja necessário,
Garantem a sobrevivência dos funcionários.

Com olho gordo nisto e salivando,
Estão alguns dos velhos políticos,
Secos para tirar uma casca
E dar o resto para os conglomerados
Do lucrativo negócio sanitário!

Quem não tem padrinho que fique na fila,
Agonizando, no aguardo,
Do heróico esforço do jovem Doutor,
Recém-formado,
Que tanto estudou para ser concursado,
Ganhar uma miséria e tentar salvar,
Dos desamparados,
Um punhado...

Com as parcas ferramentas dispostas,
Como o durex no lugar do esparadrapo
E nas vezes da gaze um pano,
O raio-x relampejando,
A goteira no leito,
E a maca quebrada,
Que serve de banco de espera.

Sim! Nossos residentes não precisam
De estágio no "Médicos Sem Fronteiras"!
Já trabalham na infame campanha
Do silencioso genocídio social.

Porque muitos de seus veteranos trocaram
O "Juramento de Hipócrates"
Pela alegria dos hipócritas.

Não esqueçamos o lobby no Congresso,
Para desnutrir, da saúde, o orçamento,
Retribuindo o patrocínio eleitoral,
E fazer traçado o destino
Para quem a carência é ainda mais longa...

Será mais seguro
Abrigar-se o ferido
Sob a asa do abutre?

Quem sabe?!

E de tudo isto equaciono,
Tão tautológico quanto meus algozes:
O melhor plano de saúde
É mesmo viver;

Porque para muitos não há outra escolha...

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Mas, dessa palavra eu faço minha

Acho que ouvindo fica bem claro quem são meus amigos de infância e porque temos tanto a dialogar.
Se ainda não nos revemos ao vivo, fica aqui a minha homenagem: Valeu David!!!! Meus sinceros parabéns!

http://www.youtube.com/watch?v=Kxz-9gkYYVU

Provocação e contradita em hip hop

De vez em quando recebo telefonemas de alguns amigos da tenra infância (que há muito não me procuram), para ouvir provocações. Segue aí a contradita, infinda e contraditória. Temos que resolver isso com cerveja, alguns socos e pontapés e muitos anos de papo, para ver se chegamos a alguma conclusão. Mas, por enquanto, não me fodam a paciência! Huahuahuahuahuhauhau E quem quiser, canta...


Provocação e contradita em hip hop
Por Macaco Russo

O demônio telefona à madrugada
Para berrar mil ofensas à bigorna
Que sou covarde, vagabundo, sodomita,
Por ter largado a arte e me tornado um burocrata.

Fala de sonhos de sucesso e um novo mundo
Em que tudo é mais justo e solidário
A musa arte é mais bela e efetiva
E somos todos novamente bons amigos.

Eu não sei o que o caboclo vê de novo...
Ele não sabe o que eu já vi na vida!
Eu perdi as ilusões na despedida
Do menino gorducho,
Engraçado, troncho e bobo,

Que, tentando se entregar àquele sonho,
Ganhou porrada, ferida e frustração.
Agora, simples e sincero, o que deseja
É viver o burguês sonho de então.

Eu compreendo o caboclo camarada,
Imaginando toda a fascinação.
Vejo crianças em um Brasil conto de fadas,
Em vez da choça rodeada de ladrão.

Mas, o que posso, além do meu próprio sustento?
Estão aí as enredadas conclusões...
Se quer sucesso, vá em frente camarada!
Mas não se faça de Van Gogh ou de Camões!

Me provoca, então toma-lhe a pedrada:
Sua meta é glória, ou é revolução?
Sem Lei ou guerra não vamos nunca mudar nada!
A arte é enfeite, é deleite, diversão...

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Os Trabalhadores - Rogaciano Leite

Repercuto aqui esta poesia de um artista cuja obra conheci há pouquíssimo tempo, mas com o qual estabeleci imediata afinidade de ideias que mais parece de outrora.
Vale ressaltar que os versos abaixo encontram-se registrados em marco na Praça Vermelha de Moscou, em razão de temporada do intelectual naquela terra nos idos de 1968, conforme se divulga na internet.
Me pergunto se o escrito está traduzido e gostaria de ir lá para conferir ao vivo.
Destarte, segue a sensível e acurada crônica. Vivas a Rogaciano Leite!



OS TRABALHADORES (Rogaciano Leite)

Uma língua de fumo, enorme, bandoleante,
Vai lambendo o infinito – espessa e fatigada…
É a fumaça que sai da chaminé bronzeada
E se condensa em nuvens pelo espaço adiante!

Dir-se-ia uma serpente de inflamada fronte
Que assomando ao covil, ameaçadora e turva,
E subindo… e subindo… assim, de curva em curva,
Fosse enrolar a cauda ao dorso do horizonte!

Mas, não! É a chaminé da fábrica do outeiro
- Esse enorme charuto que a amplidão bafora -
Que vai gerando monstros pelo céu afora,
Cobrindo de fumaça aquele bairro inteiro.

Ouve-se da bigorna o eco na oficina,
O soluço da safra e o grito do martelo…
Como tigres travando ameaçador duelo
As máquinas estrugem no porão da usina!

É o antro onde do ferro o rebotalho impuro
Faz-se estrela brilhante à luz de áureo polvilho!
É o ventre do Trabalho onde gera o filho
Que estende a fronte loura aos braços do Futuro!

Um dia, de uma idéia uma semente verte
Resvala fecundante e se agregando ao solo
Levanta-se… floresce… e ei-la a suster no colo
Os frutos que não tinha – enquanto estava inerte!

Foi o germe da Luz,a flor do Pensamento
Multiplicando a ação da força pequenina:
- De um retalho de bronze uma oficina!
- De uma esteira de cal gerou um monumento!

Trabalhar! Que o trabalho é o sacrifício santo.
Estaleiro de amor que as almas purifica!
Onde o pólen fecunda, o pão se multiplica
E em flores se transforma a lágrima do pranto!

Mas não vale o Trabalho andar a passo largo
Quando a estrada é forrada de injustiça e crimes…
Porque em vez de frutos dúlcidos, sublimes,
Gera bagos mortais e de sabor amargo!

Ide ver quanto herói, quanto guindaste humano
Sob a poeira exaustiva e o calor fatigante,
Os músculos de ferro, o porte gigante,
Misturando o suor o seu pão quotidiano.

Sua força é milagre! A redenção bendita!
O seu rígido braço é a enérgica alavanca
O escopro milagroso,a chave que destranca
O Reino do Progresso onde a Grandeza habita!

Sem os pés desse herói a Evolução não anda!
Sem as mães desse bravo uma nação nas cresce!
A indústria não produz! A campo não floresce!
O comércio definha! A exportação debanda!

No entanto,vêde bem! Esses heróis sem nome,
Malditos animais que ainda escraviza o ouro,
Arrastam – que injustiça! – o carro do tesouro,
Atrelados à dor, à enfermidade, e à fome!

Quanto prédio imponente e de valor suntuário
Erguido para o céu, firmado no infinito,
Indiferente à dor, indifrente ao grito
De desgraça que invade a choça do operário!

De dia é no labor! Exposto ao sol e à chuva!
De noite,na infecção de uma choupana escura
Onde breve uma filha há de tornar-se impura
E u’a mulher faminta há de ficar viúva!

Nem mesmo o sono acolhe as pálpebras cansadas!
O leite é a umidez dos fétidos mocambos!
O pão é escasso e duro! As vestes são molambos
E o calçado é paiol das ruas descalçadas!

Ali,a Medicina é estranho um só prodígio!…
Nunca um livro se abrirá em risos de esperança
Para encher de fulgor os olhos da criança,
Apontando-lhe o céu… mostrando-lhe um vestígio!…

Tudo é treva e descrença! O próprio Deus é triste
Ouvindo esse ofegar de corações humanos…
E a Lei – mulher feliz que dorme há tantos anos -
Não acorda pra ver quanta injustiça existe!

Onde está esse amor que os sacerdotes pregam?
Os estão essas leis que o Parlamento imprime?
O Código não pode abrir o seio ao Crime,
Infamando o pudor que os Tribunais segregam!

Vêde bem da fornalha a rubra labareda!…
Olhai das chaminés o fumo que desliza!…
Pois é o sangue… É o suor do pobre que agoniza
Enquanto a lei cochila entre os divãs de seda!

Que é feito desse herói? Ninguém lhe sabe a origem!
O Poder nunca entrou nas palhas do seu teto…
Somente a esposa enferma,o filho analfabeto,
E lá nos cabarés, – a filha… que era virgem!

Existe essa legião de mártires descrentes
Em cada fim de rua,em cada bairro pobre!
É desgraça demais que num país tão nobre
Que teve um Bonifácio e deu um Tiradentes

Será preciso o sangue borbotar na lança?
E o cadáver do povo apodrecer nas ruas?
Tu não vestes, ó Lei, as próprias filhas tuas?
Morre, pois, mãe cruel, debaixo da vingança!

Mas eu vejo que breve há de chegar a hora
Em que a voz do infeliz é livre – na garganta!
Porque sei que esse Deus que nos palácios canta
É o mesmo Deus que pelos bairros chora!

Quanto riso aqui dentro! E lá fora, os brados!
Quantos leitos de seda! E quantos pés descalçados!
Já que os homens não veem esses decretos falsos,
Rasga, Cristo, o teu manto! Abriga os desgraçados!…

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012